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terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Travestis: A vida em evolução, enfrentamentos e mudanças sociais


Travesti: A vida em evolução e os enfrentamentos

Referência:
TRAVESTIS
( ENTRE O ESPELHO E A RUA )
Autor: Hélio R. S. Silva
Editora: ROCCO LTDA
 Contato com a editora: ( 21 ) 3525-2000 - Fax: (21) 35252001
rocco@rocco.com.br

Comentário: Dr. Paulo Branco
Eu decidi colocar no meu site uma parte desta maravilhosa obra no sentido de colaborar com a leitura das travestis que é tão carente de informações. Acho que a leitura de todo o livro deveria ser feita para uma melhor compreensão da historia, dos conflitos, rejeições e vitorias presente na vida das TRAVESTIS.

“ Mensagem: Toda diferença é preciosa é deve ser ratada com carinho “ .

“ Um entre raro, bizarro e enigmático tornou-se, nos últimos 40 anos, um tipo banal em nossos dias. É verdade que ainda circula com certo resíduo de enigma, suscita-se mal-estar sendo objeto de violência na tentativo de almentar os seus horizontes sociais. Mas, já parece contar com um lugar na cidade, entre outros seres e coisas tidos como bons ou maus. Quais as propriedades socioculturais do processo histórico que retirou o travesti da órbita do espelho e o colocou perante o olhar dos outros.
O travesti, antes o espelho, limitava-se a produção de um ritual para si próprio, ou  para reduzido grupo de amigos entendidos na praia deserta. Só se tornava público na excepcionalidade do teatro ou do carnaval. Um ritual que esboçava as possibilidades daquela virtualidade que a educação interditava em qualquer situação, tempo ou espaço. Assim a sua diferença em relação aos machos-homens e às fêmeas –mulheres era de grau, não de natureza.
Universo que os confinam. Aquele espelho, voyeurismo, fetichismo, teatro, carnaval, praia deserta. Era época dos populares manuais de desvios sexuais. Com seu descritivismo imobilizante.
Filmes sobre travestis, autobiografias e entrevistas seguiam um certo padrão  narrativo que incluía quase sempre:
1-        Uma referencia a família;
2-        O momenta da revelação da infância;
3-        Dificuldades, agressões sofridas, triunfos e situações divertidas;
4-        Para as transexuais o momento culminante da cirurgia.

UM NOVO PAPEL NA SOCIEDADE
Para entender o novo papel, deve-se evitar o descritivismo produtor de fetiches, os cacoetes etnográficos produtores do exótico, a postura folclorizante. Sua humanização requer narrativas movidas por personagens, sujeitos sociais em pleno estado dialógico e interativo, contexto detalhadamente exposto. E requer também a reconstituição dos processos históricos, dos valores e praticas sociais de modo a recuperar o percurso do travesti nas últimas décadas, interpretar os papéis que lhe estão sendo atribuídos e localizar os lugares que lhe estão sendo reservados.
O que há de novo não é a travesti ou o transformista e, como já se viu, nem mesmo o transexual. O que há de novo é a circulação desses personagens em intensa relação com a sociedade abrangente. O travesti hoje no Brasil tem uma inscrição popular e social como ator reconhecido e com o qual os circunstantes mantem relações cotidianas, absorvendo, inclusive, seus valores e linguagem. Isso é novo. Isso reverte o quadro histórico. Social e solar, o travesti continua a falar de nós todos, mas, sobretudo, a falar com todos nós. Não é mas refém de um sentido noturno e inconsciente. Um novo sentido tornou-se a moeda  corrente dos seus intercâmbios sociais, sexualmente, esteticamente, fraternalmente.
Embora fruto direto de solos oscilantes, a travesti fala agora de um lócus socialmente constituído, politicamente conquistado, produzindo publicamente uma possibilidade real de desvincular o papel social de qualquer amarra com a biologia, a anatomia. Possibilidade que tem, entre seus horizontes possíveis, o próprio questionamento da expressão “travestir-se” , se estendida em seu estado de dicionário. Percebemos sob o objeto travestido que o sujeito desse disfarce não anuncia apenas a si próprio. É, entre outros, sintoma de novos tempos.
Quando uma diretora de um colégio estadual em Florianópolis afirma admitir travestis de bom comportamento em seu colégio, quando moradores da lapa, no Rio de Janeiro, distinguem entre os travestis que praticam a prostituição na área aqueles que são recatados e os que são escrachados, essa possibilidade de distinguir o bom do mau travesti indica o reconhecimento de um papel impraticável e impensável três ou quatro décadas atrás. Além disso, vejam-se os proliferantes, shows de transformismo, o sucesso das paradas gays hoje realizadas em várias cidades brasileiras e, sobretudo, a inscrição popular e social como ator reconhecido e com o qual os circunstantes mantêm relações cotidianas, absorvendo inclusive seus valores e linguagem. Não mais hipnotizado ante o espelho, não mais embriagado pelo carnaval, mas negociando seu papel ante múltiplos atores com os quais interage, na cotidiana inscrição social para a qual sua transcondição lhe impõe certos óbices e lhe reserva alguns trunfos imersos na sociedade. Nem excepcional, nem patológico, dividi com vários atores sociais, entre eles também  outros travestis, o trabalho em grupo da produção de sua identidade.
A relação de continuidade entre o travesti histórico e o travesti atual implica reconhecer algumas propriedades, como a solidão no primeiro e a socialização do segundo. Distingue-se pelo caráter latente da primeira experiência e a expressão manifesta da segunda.
Quando hoje os travestis discutem em seus foros o direito à circulação e a seres admitidos em espaços que tradicionalmente lhes eram vedados, o que está subjacente a essa discussão é a mudança social. Um homem vestido de mulher, fora do carnaval, seria imaginável ainda na década de 1950 e 1960. Sua própria circulação na rua seria extremamente problemática. O que mudou para retirar do travestismo sua dimensão escandalosa?
Essa questão parece estar vinculada às revoluções na moda, às vicissitude do feminismo, aos estertores agressivos do machismo, tudo a redefinir a própria noção do gênero.
Essa visibilidade social do travesti promove uma experiência coletiva que redefine as particularidades psicológicas em função das posições relativas ocupadas em um campo social  mais complexo. Daí, a inadequação de uma caracterização psicológica do travesti em geral. Não se trata mais do tempo excêntrico de uma família, antes do integrante de uma coletividade que se incorpora simbolicamente à sociedade abrangente, apesar de todas as dificuldades de integração social plena.
O dinamismo inerente às experiências concretas cria possibilidades de leitura múltiplas e matizadas da situação em que vivem, o que complexifica extremamente em seu campo social de interação. Toda essa experiência, tal projeto transcorre, é esboçado contra o pano de fundo do que se poderia chamar imprecisamente de “machismo” , discurso machista. No avesso da experiência do travesti, sobretudo quando os processos de vitimização se expõe em suas formas mais dolorosas, há uma paradoxal sensação de que a ostentação de qualquer signo de masculinidade implica desrespeito. Uma observação do guarda, de um motorista de taxi, de um mecânico resvala muitas vezes, mesma quando emitida por quem convive e interage com o travesti, para a indicação de uma superioridade, de uma desqualificação do travesti.
Ao mesmo tempo, a existência de coletividades organizadas de travestis com significativas redes de apoio que se ramificam pela sociedade abrangente coloca por si só uma casuística fervura sobre as bases do orgulho machista.
Por que tal ordem está a produzir com tal frequência e em tal escala tantas experiências de descontinuidade em relação a seus valores, pressupostos, pontos de honra etc.?
As representações que aí se atualizam oferecem uma contraface ao machismo, que se exprime em seu exibicionismo invertido, na maledicência de seus relatos sobre os manchões e,  sobretudo, na notável gravidade e empenho com que revestem o projeto.

O SENTIDO DO PAPEL

Mensagem: A mesma pessoa. Não há diferença. Só o sexo é diferente.
( Orlando, no filme, olhando-se nu(a) frente ao espelho )
Vista a transição do espelho para o papel, resta uma interrogação sobre o próprio sentido deste papel. O sentido do espelho parece óbvio em sua moldura geral, embora as experiências ali refletidas contivessem densas complexidades psicológicas. Já o sentido do papel não se aprisiona em fáceis caracterizações porque contém, inclusive, imprevisíveis direções, esta outra acepção da palavra sentido.

Frase verdadeira: A inexistência pública é que congelava o papel do travesti do passado. Ele pode ser complexo psicologicamente, mas é pobre socialmente “  .

Comentário: Dr. Paulo Branco
Acho que a convivência que também tenho com os travestis no tratamento das afecções proctologicas, já há algum tempo, me fez observar que a falta da família, do colo, de uma convivência simples e verdadeira socialmente os torna bastante carentes, transparente e vulneráveis principalmente aos insensíveis.

“ O curioso é que os riscos que a sociedade abrangente supõe cercar o contato com travestis são os menos importantes. A policia, o roubo, a gilete, a agressão, tudo se torna débil e insignificante. Em primeiro lugar, porque em áreas camponesas, em áreas de fronteiras e em certas áreas urbanas, onde o conflito pelo controle do trafego  se instaura, a repressão e a agressão eclodem bem mais arrasadoras.
Em segundo lugar, porque, onde o travesti é perigoso não é por ai. É lá de dentro. Em sua própria aventura existencial. Sua condição é que fulmina. Basta lembrar o riso no canto da boca, irônico, mordaz, com triplos sentidos. Profissional da mentira, mestre da farsa e da ilusão, este tipo especial de travesti, o que se prostitui nas ruas, só sobrevive á custa de um permanente estado de alerta, uma paranóia programática que não pode excluir o fair play e a sedução, já que está ali para atrair e seduzir os passantes, embora deva desconfiar de tudo que atrai.
Muitos travestis afirmam que não se sentem mulheres; outros se sentem tão mulheres que aspiram, com decisão ou difusamente, a fazer a operação transexual.
De qualquer modo, sejam quais forem as predisposições a partir das quais os travestis vivem seus projetos existenciais, há subjacente a toda a experiência o tentar passar por uma mulher. Em suas conversas, por menos interessados que estejam em ser mulher, por mais conscientes da condição homossexual, revela-se orgulho – em graus variados – quando passam por mulheres, são tratados como mulheres. Parecer ou não parecer, eis a questão de todo travesti, de um ou outro modo segundo se pense ou não como mulher. Questão existencial que paira sobre o corpo, mas que só o corpo pode resolver. 
Pensando-se mulher ou não se pensando mulher, o que os outros pensam desta “mulher” é fundamental  na interação. Passar por mulher quando não é mulher é a suprema realização da incoerência biossocial. Estabelecer uma tal conformidade entre o macho e a mulher que uma Gestalt da incoerência se imponha coerentemente. A busca da coerência seria possível aqui?
Ao defende-lo, defendemos a imaginação, a sexualidade, aas infinitas possibilidades que nos reservam a carne, a sensibilidade e, até, os tecidos a roçarem sobre peles, interpostos entre o corpo e a fantasia. Há uma nudez no travesti: a do desejo, a da explicitação de uma relação harmônica entre a fantasia e realidade, em torno da qual só os preconceituosos e desconfiados desafinam.
A tensão inerente à construção do papel feminino, do papel masculino, do papel do travesti e do papel do transexual. A acessório ou fundamento, uns podem viver sua persona sexual como puro fundamento, não importa se opte por determinações biológicas, ou sociais. Outros a vivem enquanto fruição prazerosa, o que permite, por exemplo, inúmeros clichês, dezenas de personagens de romance, teatro ou cinema, compostas pela mulher frívola, a mulher vamp, o dândi, o almofadinha, o mauricinho.
Em alguns discursos correntes, a própria distinção entre os sexos cria dominâncias especificas, claves moduladoras, princípios de produção. No caso do travesti, as dominâncias centram-se nas idéias de real e de truque, de funcional e aleatório, de pragmático e gratuito.
Se tudo é apenas papel, resta saber o grau de coerência e envolvimento com que é vivido. Curiosamente, e aparentemente na contramão da via aberta por esta consideração, há uma sensibilidade entre travestis, provavelmente desenvolvida na prática do projeto trans, que lhes permite reconhecer que tal pessoa não deveria fazer travesti ou que aquela outra é um travesti ridículo.
A mentira no depoimento, na entrevista, no bate-papo com o freguês é um dos recursos funcionais para a criação dessa mulher que se persegue. Assim como tecidos, silicone, bijuterias, hormônios, também histórias de amor, de viagens e de infância convocadas para a construção de uma mulher, que é o corpo, que é forma de vestir, mas que também é uma cabeça ( mentalidade ) e uma história de vida, embora haja quem pense, a partir de um certo positivismo travestido, que tudo isso é apenas uma questão de corpo e de acessórios.

Contradições
O travesti já conta com aliados e auxiliares, entre médicos, cirurgiões, farmacêuticos, patrões, familiares, ONGS, advogados, saunas, boates, cabarés e pensões. Mas conta ainda com os debochados. Aqueles que, por mais neutros e circunspectos, quando o assunto é travestis exibem displicentes uma cara irônica. Exibição inconscientemente condicionada pelo que sempre foi visto como caricatura, vivido como ridículo e considerado como inconsequência.
Tanto o deboche quanto a violência parecem derivar, contudo, de duas  propriedades inerentes à experiência travestida. Rudimentarmente carnavalesca e infantil em suas expressões mais cruas e primeiras, ela provoca com muita frequência reações viscerais de nojo, náuseas, pena, ódio, medo, indignação, e até mesmo espancadores que segundo depoimentos de travestis-prostitutas, são surpreendentemente na cama.
A tensão entre aceitável-rejeição social não encontra um discurso publico que produza um antídoto contra as disposições arcaicas da rejeição, como acontece com o movimento negro e o movimento feminista. O movimento homossexual ainda não cristalizou um discurso que restaure inteiramente inteiramente a dignidade do travesti. Existem boas intenções e disposições simpáticas, que não escondem o desconforto que o vizinho suscita. Talvez pelos motivos já expostos: o travesti se envolve nas engrenagens de um jogo ao qual muitos assistem como se tratasse de fenômenos absolutamente irrelevante, o que faz com que o preconceito se abata sobre ele sem qualquer atenuante. O preconceito contra o preconceito parece sempre deixar livre algum objeto sobre o qual a sociedade preconceituosa possa se manifestar “livremente”, sem os freios da auto-censura , sem o olhar recriminador do outro.
Talvez seja um dos raros preconceitos plenamente articuláveis por intelectuais, embora de forma aparentemente benigna. Benigno no sentido de que não se articula nenhum discurso contrário, não se exaspera em condenações. Tudo se destila como risível, irrisório, irracional. Uma irracionalidade menos, imprestável e irrelevante, cômica e caricata. É esse senso de irrelevância que o transforma no portador de uma suave loucura, para os intelectuais. Ou em óbices a respeitabilidade, para homossexuais.
O racismo, o machismo, o etnocentrismo são exercidos em múltiplas latitudes. Mas, na parte delas, vozes se agitam, movimentos se organizam, textos são escritos, condenando-os. Os travestis talvez corporifiquem uma das últimas assim ditas minorias que não suscitam qualquer protesto articulado contra a discriminação. Parecem não sensibilizar muito, no sentido de que não parecem constituir uma causa séria.
Em geral, as conversas sobre travestis mantidas durantes a pesquisa revelam perspectivas segundo as quais ou estaria explicitando uma agressão à mulher, à sociedade, por um lado; ou, por outro, expressaria a dificuldade em “assumir” o homossexualismo. Enfim, ou pretexto, ou sintoma. A experiência assim se dissolve, tornando-se meramente instrumental, seja em suas funções agressivas, seja em seus mecanismos defensivo o que, de resto, permite a liberação de uma maliciosa curiosidade. Uma excitação manifesta nas conversas, nos curiosos dos automóveis ou no público das boates gays “ .   

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